
Através deste ensaio me permito tecer pequenos destaques sobre o tema encimado, que representa uma prática cada dia mais presente na administração pública, quando o gestor, em decorrência das mais diversas motivações, entende por bem delegar parte de sua competência a ser exercida por servidor que elege.
Essa possibilidade é plenamente reconhecida pela legislação nacional e exige algumas medidas e providências a serem adotadas especialmente pela autoridade delegante, que deve conhecer os efeitos e responsabilidades decorrentes.
Delegação, conforme o conhecimento geral é o ato ou efeito de delegar, transmitir ou transferir poder. A forma como determinada autoridade concede a outrem a tarefa de representá-lo e agir em seu nome.
Para o direito administrativo brasileiro, no dizer do professor Matheus Carvalho, “Em resumo, delegar competência é estender temporariamente a outro agente público subordinado ou de mesma hierarquia a competência” .
Ressalte-se ainda que a delegação de poder ou de poderes é uma discricionariedade do administrador ou do gestor público, ou seja, não está ele obrigado a transmitir suas responsabilidades e as consequências decorrentes a quem quer que seja.
Quando tratamos o tema de delegação de competência no âmbito do direito administrativo é na Lei Federal n. 9784/1999, chamada Lei do Procedimento Administrativo na esfera federal, que encontramos sua prescrição e ressonância para as outras normas, e em seu art. 11, e 12 textualiza:
Art. 11 - A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos. (grifei)
Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.
Nem todos os atos podem ser delegados, porque são inerentes à autoridade que, por determinação, tem a obrigação pessoal de suas práticas, ou seja, não comporta a transmissão ou a transferência de poderes, e mais uma vez nos socorremos da Lei Federal n. 9784/1999, colacionando dicção contida no artigo 13:
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
Mas, nos casos em que a delegação é permitida ou possível, a mesma deverá observar ritos próprios para que seus efeitos sejam reconhecidos e aplicados, especialmente porque podem exigir, por exemplo, a edição de um decreto, uma portaria, ou ainda outro ato que, a depender do alcance pretendido pelo delegante, precisa gerar efeito público, exigindo por vezes sua publicação em órgão oficial do ente ou do Poder ao qual a autoridade delegante está vinculada.
Nesse sentido é a redação apresentada pelo caput do art. 14, da norma federal já tratada:
Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.
Outro ponto de relevância e destaque se relaciona a indispensabilidade de que a autoridade delegante identifique de forma clara no ato de delegação, dentre outros aspectos, quais as matérias e poderes que estão sendo transferidos, bem como os limites para a autuação do delegado, qual o prazo de sua duração, como se extrai do § 1º, do já transcrito art. 14, retro:
§ 1o O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.
Destaque-se mais, o ato de delegação é revogável a qualquer tempo por parte da autoridade delegante, conforme preceitua o § 2º do art. 14 já referido, lembrando que os efeitos gerados até mencionada revogação, não retroagem em favor ou desfavor do delegante ou mesmo do delegado, mas são gerados a partir da publicação do ato de sustação.
Ainda porque indispensável à correta compreensão da delegação e seus efeitos, é de se apresentar a redação dada pelo § 3º, do transcrito art. 14 da tratada Lei Federal n. 9784/1999, verbis:
§ 3o As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado. (grifei)
Observe-se a importância do parágrafo transcrito, não só quanto à necessidade de que conste dos atos praticados por delegação a informação dessa condição de seu exercício, mas, mais ainda que isso, os atos e ou decisões tomadas pelo delegante serão tidas como que do próprio delegante, ou seja, a delegação não representa um ato inarredável de responsabilidade por parte daquele que a concede, cabendo aqui aplicar-se o princípio da corresponsabilidade ou ainda da solidariedade que passa a existir entre o delegante e o delegado.
É essa a afirmação contida no art. 265, do Código Civil Brasileiro, verbis:
Art. 265 A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.
No Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, por vezes nos deparamos com gestores de órgãos jurisdicionados que, ante a sua responsabilização por atos de gestão sujeitos ao controle externo exercido pela Corte, apresentam como defesa uma informação de que aquele ato foi praticado por ato de delegação e não de forma direta, buscando com isso um deslocamento de responsabilidade, mas sem apresentar o ato formal de delegação, com seus limites e alcances.
Nesse caminho a Corte de Contas/MS, deixa extreme de dúvidas que o delegante e o delegado são responsáveis solidários pelos débitos imputados, como é expresso em sua Lei Orgânica – Lei Complementar n. 160/2012 – em seu art. 63, caput, e inciso II, “a”:
Art. 63. Respondem solidariamente pelos débitos imputados ao jurisdicionado, caso tenham contribuído direta ou indiretamente para a prática da infração:
II - o responsável:
c) pelos atos, objeto de delegação pelo jurisdicionado, exceto na prática daqueles que, por sua natureza, não comportem transferência de poderes.
Prosseguindo nessa matéria com vistas a aclarar aos gestores quais as implicações que podem decorrer da delegação concedida, ao tratar das infrações e sanções, no Capítulo XI, do Regimento Interno, aprovado pela Resolução n. 98/2018, a Corte de Contas Estadual destaca no art. 181, os critérios de aplicação das sanções, apresentados no caput e no § 5º, verbis:
Art. 181 As sanções previstas na LC n.º 160, de 2012, serão aplicadas pelo Tribunal, consoante os seguintes critérios:
§ 5º O Tribunal, em suas decisões, levará em conta o exercício de competências delegadas por seus jurisdicionados, exceto para a prática de atos exclusivos que, por sua natureza, não comportem transferência de poderes. (grifei)
Ademais, como já citamos logo no início deste ensaio, para que o gestor do órgão jurisdicionado possa alegar a existência de delegação ou a eventual exclusão de responsabilidade ou ainda da solidariedade, o Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul expressa com clareza meridiana a providência indispensável a ser adotada pela autoridade delegante, conforme se infere da redação do § 6º, do já citado art. 181, do Regimento Interno, aprovado pela Resolução n. 98/2018:
§ 6º Para fins do disposto neste artigo, é de responsabilidade do gestor ou ordenador de despesa informar ao Tribunal os dados do delegatário para cadastramento.
Assim, restou delineado, ainda que de maneira reduzida, quais as possibilidade e impedimentos à outorga da delegação, sua forma, discricionariedade, publicidade, precariedade, e as consequências decorrentes, bem como a necessidade de que, para sua utilização em atos a serem praticados junto ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, é responsabilidade inarredável do gestor ou ordenador de despesas informar à Corte de Contas quem é o delegado, seus dados para cadastramento, o ato e o alcance da delegação, ressaltando-se que a delegação, por si só, não afasta a responsabilidade, podendo atrair a solidariedade entre a autoridade delegante e o delegado.
* Tércio W. Albuquerque é Advogado e Assessor de Conselheiro do TCE-MS.